segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Estou Te Vendo

Nada a declarar só mais um conto, rs




 Jair estava sobrecarregado, o trabalho o matava, a família o matava, até seu lazer o matava: só de contar quantas vezes apostara na loteria já teria ultrapassado o prêmio da virada, não agüentava esses lixos que passavam na TV, na rádio e até no jornal: “vão se foder sensacionalistas de merda”, pensava ele ao folhear as páginas de qualquer jornal.
 Não o leve a mal, ele só tinha raiva de nada ter dado certo na vida dele, um caminho tortuoso das escolhas que pareciam bonitas e corretas para um sucesso quase certo.
 Dinheiro? Ele tinha um monte, mas não o gastaria, tinha um plano de só usá-lo quando a mãe morresse. Para que mais ela servia se não alimentá-lo e sustentá-lo? Nada!
 Vocês devem estar pensando como esse pobre homem é um ser desprezível, avarento, egocêntrico, prepotente, pessimista, crítico, chato, dependente, entre outros xingamentos que ainda não tive a chance de aprender. Mas ele só botava em pé o que todos vocês já pensaram, além de que, ele passaria alguns maus tempos, mas isso logo mais, por enquanto ele é só um homem comum com todos os defeitos comuns e muitos outros.
 Ele era gerente de uma filial de uma grande loja de departamentos, porém os negócios iam de mal a pior, mesmo não sendo culpa dele os preços exorbitantes e os produtos de péssimo gosto, quem levava a culpa? Nosso pobre filho da puta.
 O fatídico momento que me leva a ter dito o parágrafo anterior também é a causa de toda a desventura que acontecerão com nosso herói – sim, um termo batido e, para muitos, inapropriado para o que Jair era, mas para mim um cara que trabalha duro e segue a risca suas palavras e princípios, por mais negativos que sejam, merece meu respeito.
 O que aconteceu foi que num lindo dia de inverno o seu chefe chega e vem questionar-lhe sobre mil coisas, funcionários, desempenho, clientes, ambiente, limpeza, produtos e até o que nunca deveria ser jurisdição dele.
 SOBRECARGA!
 – Escute aqui seu filho da puta, se você fode essa porra de loja, a culpa não é minha, eu faço mais que qualquer porra dessa bosta mal feita que chamam de humanidade. Eu sou sobre-humano. Eu sou mais que você pode ser, mas o mundo é injusto, o topo está a que merda manda merda e eu trabalho com a merda e tenho que a transformar em ouro pra você ficar rico e me mandar mais merda e a porra do ciclo chamado vida continue enquanto babacas como eu se sujeitam a isso e ainda tem que escutar um idiota que nem você que escorregou de bunda pra lua conseguiu...
 O chefe, meio sem jeito, mas com culhões suficientes para bater de frente com o seu empregado, cortou-o e deu a réplica:
 –Foda-se você seu imbecil, acha que pode fazer alguma coisa, mas é só um empregado, por falar nisso, só tava esperando esse seu piti filho da puta para fazer alguma coisa: está demitido – disse ele, terminando com um sorriso malicioso que ia de orelha à orelha.
 Obviamente abalado Jair aceitou a notícia com choque imenso, mas que minutos após, quando já saia da loja se transformava em apoio para uma vingança.
 Escondeu-se atrás da BMW novinha do ex-patrão, esperando bater dar seis da tarde quando ele sairia – o que era mais uma prova de como o mundo era injusto, já que nosso herói só iria uma hora mais tarde – e, Jair, dar-lhe-ia uma recepção calorosa com um pé de cabra que achou no armário onde se guardava todo tipo de tralha.
 Chegou um pouco atrasado, 18:30, mas Jair tinha esquecido da variável, comer uma das funcionárias gostosas, enquanto a esposa ingênua o espera com alegria, mas isso só influenciou ele a fazer sua carta de despedida ao patrão.
 Assim que o viu uma sensação extasiante tomou conta dele, um ânimo que nunca tinha tido na vida, era incrível, revigorante, com um prazer de poder, sim, poder, o poder de decidir o que fazer com a vida de um homem, ter isso na mão dele.
 Só de pensar, era maravilhoso, imagine fazer.
 Quando ele colocou a chave na porta e começou a rodar, ele partiu para cima dele.
 Em primeiro lugar bateu nas costas, imobilizando-o, depois a cara, estragando-a, o nariz quebrando, os olhos ficando vermelhando e saindo lágrimas incessantemente: QUE SENSAÇÃO MARAVILHOSA!
 Ele gritava algo como xingamentos, pelo menos usavam o tom áspero que a voz nossa tem ao xingar sinceramente, mas isso só incentivava Jair, sim: “filho da puta? Pelo menos eu tenho dentes”, pensava ele ao colocar o pé de cabra na boca que tentava gritar e xingar ao mesmo tempo.
 Quando o sério concorrente a mais recente defunto finalmente parou de usar seu repertório de linguagem fula, nosso herói o analisou metricamente:
 Olhe essa camisa branca com marcas de suor, olhe essa barriga que quase ultrapassa o limite dos botões para fechar a camisa, olhe essa careca ridícula, esses braços peludos, essas pernas pequenas.
 RÍDICULO, JÁ VAI TARDE, VÁ COM O DIABO.
 Sorriu, até agora sem pensar nas conseqüências, viu um dos maiores vilões da realidade sendo mortos, se sentiu como um herói das fábulas de tempos medievais.
 Tinha que repetir esse feito, era um vício maior que a bebida ou o fumo – ambos os quais já experimentou a muito tempo atrás, na adolescência, quando ainda não odiava o mundo –. Quem sabe matasse aquele demônio que a sociedade o obrigava a chamar de mãe? Uma vez ela lhe espancou ao comer um pote de biscoitos, que ela tinha feito para as amigas numa droga de reunião de igreja, antes de jantar.
 Para fechar com chave de ouro o momento magnífico ele ergueu o seu pé tamanho 42 vestido com um sapato de bico fino preto e colocou na cabeça do já morto corpo mutilado e colocou pressão nele com força por alguns minutos.
 “Plack” fez a cabeça que estava sendo apertada.
 Algum sangue vazava pelas orelhas, nariz e boca, mas ele não viu, agora já estava andando saltitando por aí balançando o pé de cabra, esperando que ninguém tivesse visto tal e que houvesse alguma lata de lixo onde pudesse colocar a arma do ato de justiça.
 Pensou em ligar para a esposa do falecido e traçar aquela formosa mulher de 50 anos, mas ela choraria muito ao receber a notícia e, definitivamente, acabaria a matando, odiava o som de choro desde que os vizinhos tinham feito um bebê, maldita hora que uma pessoa acha que é “instável” a ponto de ter um desses monstros.
 Definitivamente, a paranóia tinha virado loucura nesta agradável tarde de inverno.
 Quando chegou a casa, com a clara idéia de dar um fim na mãe, teve uma surpresa: haviam feito seu trabalho antes!
 A casa parecia estar em perfeito estado, tirando um pequeno detalhe, claro, a velha tinha deixado tripas pelo chão todo. Quem iria limpar aquela porra toda?
 Na ansiedade de matar alguém até pensou na peste que os vizinhos chamavam de tesouro, mas essa linha de pensamento foi interrompida por notar outro detalhe que havia sido profanado no seu lar.
 O computador, aquele que pagou em mil prestações, havia sido usado por um ESTRANHO.
 Estava ligado e com uma conversa por câmera, o homem com quem conversava? Um homem de toca de esquiador preta, sorrindo e acenando.
 – Seu filho da puta! – gritou Jair.
 – Chame a polícia – disse a misteriosa figura que falava com ele pelo computador, dando, em seguida, uma risada forçada.
 Foi nesse momento que ele percebeu que o crime não tinha sido perfeito: que tinham visto ele, que ele não podia mais contar com a polícia, que seria chantageado e que não tinha força, inteligência ou habilidade o suficiente para se defender. Era só um homem de meia idade, magro, meio calvo, extremamente branco e com alguns cabelos afetados pela idade.
 – Não percebe o porquê de não haverem crimes perfeitos? O mundo tem seis bilhões de pessoas. Não acha que é quase impossível não ter alguém te observando matar um homem às 6 horas da tarde? Sim. E o pior, você foi observado por mim!
 Um silêncio estranho tomou conta do ambiente enquanto o homem de toca preta respirava e Jair pensava, agora, arrependido do que tinha feito: “claro, tudo que é bom é contra as regras nessa bosta de mundo, desde a maconha até os assassinatos”, pensava ele.
 – Fui.. não, SOU uma boa pessoa e tenho que te dizer amigo, quando alguém mata uma pessoa, ela merece uma punição.
 – Que tal matar minha mãe?
 – Não, a gente conversou, ela falou que você a odiava, mas, ela te amava e quis me impedir, tive que matar ela.
 Olhou para ele, que estava em algum lugar, não sabendo onde e lhe mostrou o dedo do meio, saindo, depois, da casa, procurando um lugar para se esconder daquele que o vigiou nos tempos que ele não devia ser observado.
 Correu, não sabendo se fugia ou se chegava mais perto do seu letal observador, mas não contava com o zumbido que anunciava um problema maior: sirenes.
  Seria uma ambulância para retirar o corpo balofo do homem do meio do estacionamento? Seria a polícia buscando ele? Seria ele um homem fadado a prisão ou pior?
 Entre a faca e a espada ele voltou para casa, pois, pelo menos, até onde sabia, o homem da webcam era apenas um.
 Quando chegou no seu lar a primeira vista jazia a mãe, pela qual sentia uma certa pena, não sabendo por quê.
 – Por que voltou? – perguntou ele rindo.
 Percebeu, finalmente, que não tinha saída, não era tão simples, que o homem estava lá trás era o verdadeiro doente.
 A sensação que o homem devia estar sentindo talvez fosse melhor que o próprio assassinato. Ele brincava com a presa. GÊNIO!
 As sirenes se aproximavam e Jair caia ao desespero, não sabendo o que fazer em desespero com um aumento gradativo o ápice aconteceu ao ouvir baterem na porta.
 Era isso o jogo tinha acabado.
  Arrastou o corpo que já, aos poucos, se tornava parte da decoração para a cozinha, abriu a porta e lá estava o policial sorridente. Uma expressão no mínimo estranha.
 – Olá senhor, recebi o relato de um homicídio por meio do seu amigo, tudo bem por aí?
 – De quem? Não sei do que fala e nem de quem fala – respondeu Jair num misto de mentira e verdade que ajudou a falar tal mentira para alguém de tal autoridade.
 Ele olhou em volta com a face que agora já tinha perdido o sorriso estranho.
 – Então você nega conhecer Pedro Durcival?
 Pedro Durcival? Jair sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo, segurando-se para não gritar: Pedro Durcival era seu falecido chefe.
 O policial pouco convencido, sem o sorriso que demonstrara em primeira instância e um tanto quanto bravo fez uma careta um tanto quanto cômica e ergueu a mão se despedindo.
 Entrou na viatura e foi embora. Alívio? Não, agora ele estava sozinho com quem possivelmente era Pedro Durcival.
 Quando voltou às atenções para o computador onde a pouco conversava com quem era seu chefe outra surpresa.
 Ele não estava mais lá.
 Olhou atentamente pela primeira vez a parede do lugar onde o possível zumbi estava. Ele conhecia aquele lugar.
 Era o banheiro da casa!
 Sentiu uma coisa fria encostar o pescoço.
 Virou-se lentamente e lá estava o rosto desfigurado do chefe segurando o pé-de-cabra.
Fim

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