terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Entre Goles e Tragadas

Inspirado na música Alabama Song do The Doors :D

Sentia o gosto amargo na boca que só sentimos ao chorar. Minha barriga doía como quando corremos além do limite, minha mente dizia que ela necessitava ser relaxada com nicotina e minha alma queria se afogar no mais puro e forte álcool: primeiro para se embebedar, depois para jogar um fósforo e queimar no eterno fogo, que eu merecia.
O por quê? Talvez eu não merecesse lembrar. A mente penitencia com a perda dos sentidos e da memória aqueles que passam de seu limite.
 Sempre nevava nessa época, mesmo estando no Brasil, Santa Catarina me permitia me sentir com a classe de um europeu. A julgar pelo meu estado físico eu era um bêbado vagabundo, mas, acima de tudo, com classe.
 Um bêbado vagabundo com classe.
 Sentia um calor imenso, estava doente, eu acho.
 A Europa tem classe principalmente porque os mendigos de lá morrem no inverno, para no verão surgirem mais.
 Surpreendentemente no bolso da minha calça de agasalho suja tinha uma carteira com dinheiro, várias notas de cem reais – aquelas que temos dó de gastar, eu acho –. Estava munido para pagar a melhor cura da minha doença e da minha ressaca: mais bebida – de preferência o uísque mais forte e caro, já que eu tinha classe.
Fui até um bar com um ar agradável, que era mais um pub que um boteco os quais os bêbados sem classe costumam freqüentar. Alabama Bar dizia a placa de madeira. Convidativo.
 Pessoas sorriam, pelo menos até eu chegar, depois eles mudaram. Encararam-me e, em particular, o velho atrás do balcão ficou num tom estranho de vermelho, o que demonstrava uma raiva imensa.
 – Você tem muita cara de pau pra vir aqui!
 – Calma, eu tenho dinheiro – respondi sorrindo e mostrando as notas de cem da minha carteira.
 O velho se abaixou e voltou a olhar para mim acompanhado de uma espingarda. Enquanto ele fazia aquele som de recarregar a arma corri cambaleando em disparada até a porta.
 Eu não podia agüentar isso, era um bêbado em época de neve, mesmo com amnésia, tinha classe. Tinha dinheiro. Ia era para outro bar.
 Nevava forte, mais que ontem. Torcia que passasse logo, pois ao contrário da noite anterior eu não conseguiria dormir na rua hoje.
 No caminho uma menina chorava pelos cantos. Ela parecia estar perdida, pois usava roupas de aparente boa qualidade.
 – Você está perdida, garota? – perguntei.
 Ela tirou a mão do rosto molhado de lágrimas e mostrou seu rosto, ou a falta dele: ela era apenas ossos, não havia pele, não havia carne, era um crânio que lacrimejava.
 Não sabia se alucinava ou se via a realidade, mas corri como nunca correra antes, apenas pensando o que era aquela coisa, por que chorava e, estranhamente, por que sentia tanto afeto por ela.
 Cansado, febril e com algumas dores tropecei em mim mesmo e vi por uma janela a minha frente uma família, comum, pai, filha, mãe e um cachorro, porém isso me trouxe algo da minha mente.
 Lembrei as sensações que me acompanhavam de manhã e senti que elas aconteciam por causa do que eu tinha feito. Não só isso, mas, de algum modo, relacionava-se também ao velho estressado do bar pub.
 Febril, cambaleando, assustado, dolorido e quase aos prantos pela minha lembrança eu entrei num outro bar, dessa vez muito mais para boteco que para pub, o qual não tinha a qualidade que achei que merecia por ter classe, mas, na verdade, o único lugar que eu merecia queimava em brasas e eu só iria daqui algum tempo.
 O lugar cheirava uma mistura desagradável de bebida, vômito e mofo.
 Novamente olhares que exprimiam raiva ou medo me cercaram, mas o homem atrás do balcão não me apontou uma arma na cabeça quando mostrei as notas de cem na minha carteira, apenas me serviu, como pedi a bebida mais forte que ele tinha e um cigarro.
 A cada tragada do cigarro uma horrível memória vinha a minha mente que esclarecia a visão que tive ao olhar para aquela menina crânio, porém a cada gole da bebida eu esquecia e me sentia anestesiado, até a próxima tragada.
 Na minha última tragada me veio a resposta da raiva daquele velho, sim, eu também a teria se o filho matasse a nora e a neta.
 Até pensei em refletir se aquela menina não seria um fantasma vindo me atormentar da minha loucura antes momentânea e agora eterna, mas já tinha apagado, para sempre, eu espero.

Fim.

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