quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Pretérito Imperfeito

Mini conto sobre uma pequena viagem no tempo de uma mulher extremamente doente que ve que seu mundo não era tão bom como imaginava.
 Larissa já estava em seu fim com uma doença nunca identificada, o médico da família estipulou que ela teria apenas mais um dia de vida, horas a mais, horas a menos, uma nova epidemia se espalhava pelo mundo e ela a tinha pego, frágil senhora não teria chances de sobreviver.
 Sem dramas, ela viveu uma boa vida enquanto pode, o mundo foi mágico, gracioso e bondoso com ela, não tinha do que reclamar, a morte vem e leva os velhos pelas mãos e os jovens pelos pés, na idade dela ela iria de mãos dadas, sem dúvidas. A doença foi um imprevisto? Não diria que não, mas ela não se preocupou, digamos que ela tinha preguiça de comprar um calendário para ver mais um ano passar. Tempo ao tempo e o tempo passou.
 Como modismo dessa nova época que rondava o mundo ela iria ser base de uma nova tecnologia, algo que vai além de um sonho, mas sim uma obsessão de muitos há muito, voltar no tempo, porém apenas um dia, quase como ver apenas um capítulo repetido de um seriado, além que toda mudança feita nesse dia jamais influiria em nada na vida, ela estaria apenas vendo aquilo na visão de outra pessoa. A história já tinha sido escrita, agora apenas seria relida.
Foi até ao consultório do único doutor do país a ser licenciado a manejar tal aparato com roupa de gala, no seu Rolls-Royce feito sob medida aos gostos da madame e de seu falecido marido e com acompanhamento do seu mordomo, ao qual tinha um tipo de amor fraterno, como se fosse o filho que ela nunca teve. Infelizmente, ela teve câncer no útero quando moça e tal teve que ser retirado.
 Não fez muita cerimônia, assinou um formulário sem nem o ler, sentou na cadeira, colocou o capacete ligado a um milhão de fios e esperou retornar no seu último dia ao seu dia mais feliz: seu casamento.
 Como diziam as instruções do aparelho – uma semana antes, quando agendou o uso do aparelho foi obrigada a ver um vídeo instrutivo de tal – ela seria alguma pessoa de escolha da mente dela na viagem entre o mundo do agora e o mundo do passado.
 Seu marido? Não. Sua mãe? Não! Sua amiga de infância Eliza? Sim!
 Quando se deu conta estava no interior de uma limusine no banco de trás, enquanto a limusine se aproximava da festa, porém para a surpresa dela quem estava ao lado de sua melhor amiga nada mais era que o seu futuro marido com quem casaria no exato dia. Como se não bastasse ele a beijou com vontade o que confirmava e destruía o pensamento que ela carregou por décadas de um ilusório casamento perfeito que ela gastou 40 de seus 80 anos de vida.
 Em seguida tudo fora enganosamente maravilhoso novamente, a igreja linda, as pessoas rindo, porém quando Eliza se adentrou aos assuntos e fez parte deles viu que não só sabiam e zombavam dela por quem casava, mas também como casava e por ela ter a sensação que todos ali eram realmente amigos dela.
 Uma sensação horrível passava na mente de Larissa, não ter o direito a rebater, ter que engolir tudo aquilo por décadas e só agora saber disso.
 A cerimônia tocou, primeiro o noivo cafajeste entrou, depois os parentes falsos e finalmente aquela música cerimonial completada por aquela noiva linda e esperançosa que entrava feliz no mundo de mentiras que formavam uma bolha que só agora estourara.
 Enquanto o padre dizia palavras tolas que no fim formariam mais mentiras ela pensava como tudo tem duas maneiras de ser visto, como na verdade o mundo foi cruel com ela, como o passado perfeito não precisa ser mais que perfeito, pois uma simples jogada do destino pode torná-lo imperfeito.
 Enquanto raciocinava nem se deu conta que morria aos poucos e que nunca teve chance de terminar tal raciocínio.
 Engraçado como as últimas palavras que ouviu foram aceito: aceito um mundo de mentiras, aceito a morte, aceito viver esta merda de vida, aceito tudo, pois, claro, o mundo dela era perfeito antes de duas horas atrás, dava uma chance que o mundo a retribuía, porém agora, a morte com um golpe fatal fez a dor mais dolorosa de todas a sua morte, a decepção.
Fim

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