domingo, 26 de dezembro de 2010

Memórias do Meu Passado Presente

Daniela, numa vida regada ao melhor o possível que se pode ter, volta ao lugar onde passou seu melhor tempo, uma praia na qual passava as férias.
Com seu pai no leito de morte ela tenta esquecer a tragédia que cerca ela, mas ela acaba tendo lembranças muito piores e, o pior, as piores lembranças, as vezes, decidem voltar para assombrar você, e não só na sua mente...
Daniela caminhava pela praia com passos lentos, enquanto resistia para não cair aos prantos – naquele momento não havia um motivo aparente, mas aquele lugar pesava muito em sua consciência por algum motivo que se escondia pelo subconsciente – enquanto escutava as ondas que batiam fortemente sobre a areia naquele comum dia tomado por nuvens que pareciam nunca virar chuva.
 A praia já fora movimentada em sua infância, isso antes da peste que afetou as plantações da região. Sem tecnologia e sem meios de sobrevivência senão aquele o povo fugiu para outros cantos a cerca do país, porém o pai de Daniela era rico e essa era só uma casa de praia, mesmo que enorme, era só um lugar para passar as férias, porém para Daniela isso se tornou mais que férias, mas sim os melhores momentos de sua vida. O ritmo da cidade era calmo, agradável e ternamente perfeito em sua visão, mesmo com as pessoas sumindo na época de peste.
 Havia um amigo imaginário, claro, toda infância perfeita tem, alguém mais especial que todos os amigos de verdade, aquela pessoa que não tem medo e topa te acompanhar em todas as aventuras com um simples pedido.
 Porém aquele amigo imaginário foi muito mais que uma simples fase, ele a acompanhou até os tempos da peste, mas em segredo, nunca mais se encontravam em público, entretanto ninguém mais se preocupava com o que ou com quem uma menina falava nos tempos da adolescência dela, que foi a tal peste. Quem se dá com os problemas dos outros quando tem os seus próprios, quem dirá algo que não passaria de uma “fase não superada”? Além do mais ele, como uma história mito bem bolada, morava ali na praia, então ela só o via nos tempos em que visitava o lugar.
 Pouco a pouco, as pessoas foram sumindo e ele foi o primeiro, não lembra direito como acontecera, mas ela nunca mais o vira, o último momento deles era uma incógnita em sua mente, mas poucos conseguem lembrar tais momentos com seus amigos imaginários.
 Aquela areia em que pisava agora parecia guardar a marca de seu pé, que deveria ser uns três números menores do que agora enquanto caminhava por aquela areia que não pisava há dez anos.
 Sem mãe, seu único companheiro real para tudo era seu pai, que naquele momento beirava a morte, sendo uma questão de tempo até deixar este mundo e partir para o outro, por isso ela viajara para a praia que foi seu ápice de felicidade.
 O lugar continuava como antes até onde ela tinha visto, não era um lugar alvo de turistas, aquelas nuvens nunca se transformaram em chuva desde a infância dela. A praia parecia ser eternamente nublada, porém tinha uma coisa diferente no fim da praia, um grande casarão, elegante e com um ar de antigo, mas, sem dúvidas, com menos de dez anos de idade, ela se lembraria de algo tão magnífico, talvez a casa mais linda que já tinha visto.
 Parou em frente da casa para observá-la, o tamanho era semelhante ao da casa dela, o que demonstrava que o proprietário não era nenhum dos pequenos agricultores que costumavam morar lá em noutros tempos.
 Madeira nobre, três andares, janelas enormes e detalhes em mármore formavam um lugar aconchegante que era tal, o que deixou a praia mais familiar do que já era, pois a casa era de, algum modo, nostálgica para ela.
Ela decidiu conhecer o seu mais novo e, talvez, único vizinho.
 A casa não aparentava ter nenhum defeito, como se fosse todo dia reparada em seus mínimos detalhes, mesmo quando ela subiu os degraus de madeira eles não chegaram a ranger.
 Tocou a campainha três vezes e ninguém atendeu, então deixou para lá e voltou a sua casa.
 Caminhando pensativa, mas alegre por estar de volta onde estava, não chegou a ver o homem que caminhava quase que do mesmo modo em sua frente, consequentemente, trombaram-se no caminho.
 O homem que via agora era um vislumbre aos seus olhos, o cabelo escuro pequeno que formava um topete, o brinco em sua orelha direita, os olhos azuis e a pele branca e lisa lhe atraíram os olhos, mas o que a fixou mesmo foi ele ser familiar, mesmo não sabendo de onde o conhecera – provavelmente não seria destas terras, visto quem as habitava.
 Ele abriu um sorriso discreto e começou a conversa:
 – Olá, acho que você mora naquela casa grande não é? Estava vindo agora mesmo te visitar.
 Sem saber o motivo, ruborizou e disse:
 – Que coincidência, eu também.
 Ambos deram uma risada discreta.
 – Já é meio tarde, não acha? Amanhã você pode visitar minha casa?
 – Claro, álias, sou Daniela – disse ela quase que em sussurros.
 – Pedro – respondeu ele, com um sorriso, agora, de orelha a orelha.
 Em seguida, seguiram o caminho deles, mas ela não conseguia deixar de pensar: “que nome familiar”.
 Quando chegou em casa a secretária eletrônica aguardava ela com o bipe que alertava que havia sido deixada uma mensagem.
 Ao clicar nela uma voz feminina com um triste pesar na voz falou:
 “– Por favor, senhorita Diniz retorne esta ligação o mais rápido o possível, tenho um assunto urgente a tratar com você.”
 E assim ela o fez.
 – Olá, você deve ter ouvido meu recado, então não tenho muito que enrolar. Sei que você está longe, por isso vou dar a mensagem usando o telefone: seu pai não resistiu.
 Daniela começava a lacrimejar enquanto a voz feminina contava os detalhes da morte do pai, mas ela não queria saber, além que ela não conseguia mais distinguir nada do que ela falava, tudo eram ruídos.
 Embalada pela notícia que acabara de receber somado ao tom nostálgico triste que a praia inesperadamente passava ela, finalmente, desabou em lágrimas por toda a noite até que o cansaço a venceu e caiu no sono.
 Ao bater às 2 horas da tarde no velho carrilhão da sala que anunciou com uma elegante batida a passagem da hora ela acordou.
 Esparramada no sofá verde com pés de madeira ela sentiu um gosto amargo na boca e levantou, com a lembrança do que a fez cair em prantos na noite passada, com enorme tristeza, de cara emburrada e se preparando para fazer as malas para que conseguisse chegar ao velório do pai a tempo, pois a praia não era muito próxima de onde ele estava ao morrer.
 Já começava a arrumar as malas quando que como um golpe na cabeça veio em sua mente que ela devia visitar o seu vizinho. Uma ordem inquestionável e direta do cérebro dela que a obrigaria.
 Mesmo a princípio resistindo a idéia ela foi até o local conhecer melhor o homem por quem ele teve uma ótima sensação – o que geralmente diria sexo, ele era bonito e ela também, tinha uma rosto lindo, delicado, um nariz arrebitado, olhos verdes, seios redondos e de tamanho considerável e um corpo magro, mas dessa vez, por enquanto, era como reencontrar um velho amigo.
 Foi no seu carro dessa vez, um Mini Cooper preto e branco, apropriado para a mulher que era. Inconscientemente pisou ao máximo o acelerador, como se não pudesse esperar mais um segundo.
 Quando chegou mal precisou pisar nas escadas de madeira que a porta foi lhe atendida, ele, mais animado que no dia anterior, recebeu-a com um sorriso radiante.
 – Essa é minha humilde casa – disse ele com o tal sorriso radiante ainda insistindo nele.
 Era uma das primeiras coisas que não lhe eram familiares na praia – estranho seria se fosse –, mas ainda sim parecia ser arquitetado de acordo com os gostos da mente dela.
 Pedro indicou que ela se sentasse no sofá e visse algo na TV enquanto ele iria fazer um chá.
 Zipou pelos canais e viu que, assim como na sua casa,nenhum canal pegava. A interferência era enorme por essas áreas.
 Um grito estridente, que não parecia ser humano, vindo da cozinha invadiu os ouvidos de Daniela. Correndo ver o que era, ela se deparou com uma das cenas mais estranhas de sua vida:
 Dezenas, senão centenas, de fotos dela quando criança formando um gênero de santuário, porém ela não conseguia ver aquilo como algo ruim, havia algo de familiar naquelas fotos.
 – Você não devia ter visto isso – disse Pedro interrompendo o pensamento dela.
 Ele estava com sua mesma elegância de sempre, porém agora fria e com um toque sutil de crueldade, além de uma queimadura na mão direita, provavelmente pelo chá que preparava para ela e provavelmente ele derramou o que originou aquele grito estranho.
 Ela não disse nada, como se ela achasse um gesto bonito e que não precisasse de resposta, mesmo não sendo, algo obrigava ela a pensar isso e ela aceitava sem resistir, então voltou ao sofá, enquanto ele voltava à cozinha para preparar outro chá, como se ambos tivessem dito em silêncio que isso seria um segredo.
 Agora o que viria eram as cortesias clichês de sempre, Pedro não falou de nada sobre si – Daniela até preferia esse tal mistério mesmo que estranho –, enquanto que ela falava sua história para ele, todas as suas desventuras e por aí vai, sempre a cada cem palavras, aproximadamente, era embalada por um gole de um chá de uma flor nativa da praia que nunca tomara antes.
 Conversa vai e vem e não era mais como encontrar um amigo quando ele investiu nela e tentou beijá-la, porém ela aceitou de bom grado, mas havia algo estranho, a pele dele era extremamente fria, como a de um defunto.
 Ela foi educada e continuou o beijo, mas ele parou como se não pudesse ter feito aquilo, mas não como um “ops”, mas sim como “ela descobriu que eu tenho lepra”.
 – Vou ao banheiro – disse ela em sussurros
 Em seguida ele indicou com a mão que ele se encontrava à direita, enquanto colocava a mão em sua boca, enquanto curvado, apoiado pelos cotovelos nas coxas.
 Chegando ao banheiro um jornal dobrado se encontrava em cima do vaso sanitário branco e uniformemente limpo.
 Desdobrou-o e se surpreendeu não só com o cheiro de velho único de jornais antigos, mas também com a manchete que esclarecia todas as familiaridades por ela vivida nos últimos dias e que ela reprimira numa fase conturbada da vida causada pela tal peste:
 “MENINO PULA DE PENHASCO EM DESESPERO CAUSADO PELA CRISE DA PESTE”
 Agora memórias vinham à mente dele, milhares de flashes que esclareciam tudo: lembrava de uma casa de boneca com quem, na infância, brincava com seu amigo imaginário, sim, o nome dele? Pedro, mas não, não, ele não era imaginário, a manchete confirmava isso, ele tinha se matado, mas não podia ser, ele estava...
 – Banheiro errado, querida – disse Pedro que a pegou de surpresa, interrompendo a linha de raciocínio dela. Estava, agora, visivelmente quase explodindo de raiva.
 – Não tem problema – ela respondeu com doçura.
 – Uma dança? – perguntou ele.
 Ela acenou com a cabeça concordando.
 Então Pedro colocou uma música numa vitrola antiga em cima de um criado mudo, tocava Babe do Styx, eles dançaram uma valsa calma. Daniela sabia que tudo aquilo deveria ser uma ilusão, mas essa seria sua realidade se a peste não tivesse acontecido, mesmo não sabendo o que teria causado aquilo ela estava feliz e pretendia nunca sair dali. Se as nuvens de lá não viram chuva, porque aquela menina tinha que virar adulta?
Fim

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